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Implante Hissiano

13/10/2022


Imaginar que um dispositivo seria capaz de estimular de forma artificial o coração deve ter sido uma aventura de mentes bastante otimistas do passado. Um órgão dinâmico, eletromecânico, com função de bomba valvulada de fluídos, complexo e ao mesmo tempo de simples funcionamento.


Assim, manter um coração funcionando após uma falha elétrica fatal, qualquer que fosse o meio para tal, já foi uma conquista fantástica.

Durante as décadas que seguiram desde esse feito, a evolução da estimulação cardíaca artificial precisou gerar novos conhecimentos para contornar imperfeições que advinham da utilização dos marcapassos. Hoje vamos tratar de uma dessas imperfeições: a perda do sincronismo interventricular.

Mesmo antes do advento da estimulação artificial, sabe-se que a perda de sincronismo compromete a função ventricular, seja por reduzir a eficiência da ejeção do sangue do VE para a aorta, seja por aumentar o refluxo mitral. Observamos isso principalmente nos pacientes isquêmicos, com bloqueio de ramo esquerdo e QRS alargado. Quando estimulamos o septo interventricular em sua porção muscular a partir do ventrículo direito (estimulação convencional), geramos um efeito muito semelhante: alargamento do QRS, alteração do vetor de despolarização que se traduz no ECG como um BRE e dessincronia entre o septo ventricular e as demais paredes do VE.

A grande maioria dos pacientes apresenta boa adaptação a esses efeitos e não tem tradução clínica da perda da eficiência ventricular. Ainda assim, há um grupo de 20% dos pacientes que podem desenvolver algum grau de insuficiência cardíaca relacionada à estimulação artificial convencional.

A estratégia de estimular o sistema de condução cardíaco após o ponto de bloqueio ao invés da estimulação do septo muscular vem de longa data, como solução ao que comentamos anteriormente. Em 2018, uma publicação no JACC trouxe dados que animaram a especialidade, corroborando a vantagem da estimulação Hissiana sobre a estimulação convencional, provando sua exequibilidade e segurança.

O Dr. Pugazhendhi Vijayaraman e colaboradores estudaram 765 pacientes divididos em dois grupos distintos – 1 com estimulação convencional e outro com estimulação Hissiana.

As variáveis demográficas estão expressas na tabela abaixo, tendo sido observada distribuição semelhante entre os dois grupos. (Tabela do estudo).

As execuções de cada procedimento foram comparadas conforme seu tempo total de duração, tempo de fluoroscopia e medidas eletrofisiológicas no intraoperatório e no seguimento posterior. (Tabela do estudo)

A conclusão do estudo mostrou que quando havia pelo menos 20% de necessidade de estimulação ventricular, a estimulação Hissiana reduziu risco de hospitalização por insuficiência cardíaca, necessidade de upgrade para ressincronizadores e mortalidade por todas as causas.

Diante dos resultados desse estudo, é crescente a quantidade de tais implantes no Brasil e o DECA idealizou um banco de dados para compilação dos resultados da experiência nacional (informação em link).

A escolha do paciente que terá vantagem em receber a técnica ainda está sendo motivo de maiores discussões e em um futuro próximo será mais claro o perfil de fato beneficiado.

No sistema de financiamento da saúde pública brasileira, a estimulação hissiana não é ainda realidade devido ao custo aumentado do procedimento, mas tais estudos podem mostrar custo-efetividade quando comparados os custos de tratamento do paciente com insuficiência cardíaca.

Dr. Bruno Pereira Valdigem
Dr. Bruno Pereira Valdigem

Atualmente é médico do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e eletrofisiologia clínica e invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.